terça-feira, 4 de agosto de 2009

Nathalia e Tomás

Apesar de um parto muito longo e difícil, o Tomás pegou o meu peito na primeira hora depois de nascer. Foi uma sensação tão intensa que superou todas as minhas expectativas. Eu tinha estudado tudo o que pude sobre amamentação durante a gravidez, com direito a pegar livros na biblioteca, pesquisa na Internet, vídeos para aprender as diferentes posições e a pega perfeita e uma aula oferecida pelo hospital onde dei à luz aqui nos Estados Unidos.
Nos dois dias que ficamos no hospital, ele não teve dificuldade em pegar o peito e, com calma, íamos aprendendo juntos. Me ajudou muito, e me ajuda até hoje, lembrar sempre que ele não nasceu sabendo mamar e que eu nunca dei o peito, e que precisamos ir com paciência. Achei que foi muito importante ele ter ficado no quarto comigo a maior parte do tempo e não no berçário. Mesmo quando ele não ficou, as enfermeiras o trouxeram para o quarto no menor sinal de fome e me acompanharam nessas primeiras sessões, me ensinando e ajudando. Além disso, como parte do processo de alta, recebemos a visita de uma consultora de lactação que corrigiu o que estávamos fazendo errado, nos aconselhou e se certificou de que tivéssemos informação sobre grupos de apoio perto da nossa casa, caso houvesse um problema depois.
Malas prontas, no dia de sair do hospital, o Tomás foi diagnosticado com icterícia. Os níveis de bilirrubina dele estavam altíssimos e só banhos de sol não resolveriam. Ele teria que passar mais uma tarde e uma noite no hospital em uma incubadora com luzes. A pediatra me disse que eu poderia amamentá-lo a cada três horas, mas que, além do leite materno, eu teria que dar um suplemento de 30 ml de fórmula (como eles chamam o leite artificial aqui) porque a icterícia e as luzes causam desidratação. Eu comecei a chorar porque pensei ali que tudo iria por água abaixo. Mas algo me iluminou e me lembrei que na classe que assisti no hospital, a enfermeira ensinou o “cup feeding”, que era dar o leite ou a fórmula em um copinho. Imediatamente pedi que a fórmula fosse administrada assim pois eu não queria arriscar dar a mamadeira e atrapalhar a relação do Tomás com o peito.
O outro problema é que eu já havia tido alta e não poderia passar a noite com ele no hospital. As opções eram que ele tomasse a fórmula em vez do leite materno durante aquela noite ou que eu fosse ao hospital a cada duas horas para amamentá-lo. Todo mundo dizia que isto era inviável e no fundo eu sabia que era mesmo. O hospital fica longe da minha casa e não temos carro. Fiquei possessa. Como um hospital que diz apoiar a amamentação não me daria condições logísticas de fazê-lo? Eu bati o pé e disse que passaria a noite na sala de espera. No fim, a consultora de aleitamento me convenceu que também era importante eu descansar e que eu poderia confiar que eles não dariam mamadeira para o Tomás. Exausta, eu aceitei. Dei o peito à meia-noite e disse que voltaria às seis da manhã, assim ele só pularia uma mamada.
Foi a noite mais difícil da minha vida: voltar para casa sem meu bebê e com o peito explodindo de leite. Eu chorava sem nem saber a razão. Às cinco da manhã, levantei, me vesti, preparei um lanche e peguei um taxi sozinha para o hospital. Acho que essa mamada e a das 9 da manhã desse dia foram o contato mais profundo que tive com meu filho. Eu vi como ele precisava de mim e eu dele e que dar o peito era também uma maneira de nos reconhecermos e nos comunicarmos.
Voltamos para casa nesse mesmo dia, mas a icterícia continuou forte nos seguintes quinze dias. Uma das causas da icterícia pode ser o leite materno e muitas mães acabam suspendendo a amamentação por um tempo por causa disso. O pediatra me orientou o contrário. Disse que mesmo que o leite fosse a causa, o melhor que eu poderia fazer pelo Tomás era amamentá-lo bastante para que ele pudesse expulsar a bilirrubina pelo cocô e o xixi. Também fizemos a opção de controlar os níveis com exames de sangue diários em vez de interná-lo de novo e colocá-lo na incubadora já que isso também poderia atrapalhar a amamentação.
Minhas duas primeiras semanas com ele foram uma maratona. Eu sentia uma pressão incrível. Primeiro porque não sabia se ele estava mamando o suficiente. Segundo porque duvidava se minha opção de amamentar não estava virando uma intransigência que poderia colocar a saúde do meu filho em risco (níveis de bilirrubina muito altos podem causar danos cerebrais). Optamos pela livre demanda e, mesmo com a sonolência que vem com a icterícia, ele mamava bastante. Ainda assim, quando ele dava um intervalo de mais de duas horas entre as mamadas, eu ficava nervosa e queria acordá-lo. Eu queria ter certeza de que ele mamaria 8 vezes ao dia pelo menos.
Os dias passavam e os níveis de bilirrubina não baixavam. A cada teste dele, eu me questionava se deveria continuar amamentando. Seguimos em frente e, nesse esquema, o Tomás foi melhorando. Foi um processo muito mais longo e menos seguro do que se eu tivesse optado por colocá-lo na incubadora. Hoje acho que posso ter sido irresponsável e não sei se uns dias na incubadora realmente teriam afetado a amamentação.
Acho que a lição mais importante na minha (ainda) curta experiência amamentando é a de que informação é essencial mas não suficiente para a amamentação dar certo. Estar informada me ajudou a evitar, por exemplo, a introdução da mamadeira em um momento crucial para o Tomás, quando ele ainda estava aprendendo a pegar o peito. Também me ajudou a me manter firme no caso da icterícia. Tudo o que passamos me fez reafirmar diariamente a minha escolha de amamentá-lo exclusivamente. Eu sinto que isso nos uniu bastante, a mim e ao Tomás, e que esses dias estressantes me ajudam a desfrutar, valorizar e ser muito grata por cada momento em que lhe ofereço o meu peito. Eu me sinto abençoada por ser parte desse processo tão perfeito e tão poderoso do meu corpo, que começou com a fecundação e a gravidez. Também passei a ter muito mais compaixão pelas mulheres que tem que lidar com a frustração de não poder amamentar, por diferentes razões. Minha história me ensinou que, no fim, também existe um tipo de imponderável e imprevisto que toda a boa vontade e informação do mundo não são capazes de controlar e evitar.
Eu também passei a entender a opção de não amamentar que, para mim, era incompreensível. Eu sei agora que a amamentação é uma doação irrestrita do nosso corpo, do nosso tempo e, porque não?, do nosso equilíbrio mental – mesmo que o façamos com prazer. Nada, nenhum livro ou aula, me preparou para a exaustão dos primeiros meses. Quantas noites eu não me levantei confusa, sem saber se já tinha dado de mamar ou não. Quantas madrugadas, contemplei tirá-lo do meu peito na metade da mamada, desistir de tudo e ir dormir. Quantas vezes eu não me questionei se aguentaria a responsabilidade que vem com o fato de que a alimentação – e, portanto, a sobrevivência – do meu bebê depende de mim. Apesar de na gravidez isso também ser verdade, na amamentação isso se torna mais físico e mais real. Mesmo com muita convicção, achei os primeiros meses muito duros.
Eu agradeço a minha mãe e uma amiga por me dizerem o tempo todo que essa fase passa e que não ia ser sempre assim. Agora, no terceiro mês do Tomás, eu sei que é verdade.

Eu sempre senti que estar grávida era como carregar um segredo muito bem guardado – quem não se deliciava em receber um chutinho e sentir essa injeção imediata de felicidade a qualquer momento e em qualquer lugar, sem ninguém mais perceber? A amamentação, para mim, é uma continuação desse segredo, uma maneira de parar o mundo um pouquinho para ser feliz.



História enviada por Nathalia, mamãe do Tomás de 2 meses

6 comentários:

@ disse...

Desde que nasceu minha filha o mundo da maternidade e principalmente do aleitamento me interessa muito. Uma amiga que me conhece bem, me indicou esse blog e me explicou que havia muitas histórias de "peito". A feliz coincidencia se deu quando comecei ler este depoimento.
Minha filha tbm teve icterícia. Ela nasceu prematura e não pude amamenta-la até a alta do hospital, quando ela já tinha 3 semanas. No inicio ele não aceitava o peito. E foram dias de sofrimento e buscar ajuda até que ela começou a aprender a mamar.

Hoje ela tem 3 anos e estou gravida de novo. Talvez por isso eu tenha me emocionado tanto ao ler a tua história.

Obrigada

@ disse...

ah! esqueci de falar que a foto é linda.

abraço

Ana Cristina disse...

Fla,
meu marido me pergunta o que eu estou lendo tão compenetrada... Se eu falar pra ele que são histórias de amamentação ele tem um troço. kkkkkkk
Tá muito legal a campanha, uma história mais emocionante que a outra. Parabéns e parabéns mamães!

beijo

Ana C

Lia disse...

Amei esse relato, me tocou profundamente. Morro de medo de icterícia por causa da minha incompatibilidade sanguínea com meu marido. Só de pensar no nenenzinho na incubadora já me dá um treco... mas a Nathalia foi muito guerreira. Obrigada por compartilhar sua história.

Elisabeth Pessoa disse...

lindo relato
Deve ser difícil para uma mãe separar-se do filho, nos primeiros dias de vida, por poucas horas que seja...

Mas que bom que no final deu tudo certo.


bjs

Renata disse...

Que história mais linda. Fico feliz que tenha insistido na amamentação e que tenha chegado a conclusão de que vale muito a pena.
Linda foto.
beijos, Re